—
Querida acorde. Daqui a pouco as visitas irão chegar e você precisa estar
pronta.
—
Visitas? – minha voz parecia estar saindo de um túnel.
—
Imaginei que você tivesse esquecido – minha mãe falou com um tom de voz triste
e depois sentou na beirada da cama – Seu tio está vindo nos visitar, e ele vai
trazer seu primo. Lembra?
Claro
que lembro meu tio e meu único primo. Meu primo que sempre foi insuportável,
com suas brincadeiras ridículas sobre como seria maravilhoso se nos tornássemos
namorados. Ridículo.
—
Lembro mãe. Já vou levantar tudo bem? A senhora já pode ir. – falei e dei as
costas pra ela. Eu sabia que se fizesse aquilo continuaria dormindo por horas,
mas ela não pareceu se importar.
Abri
os olhos e a noite já havia chegado. Minha mãe não iria me matar com as visitas
em casa, mas assim que possível ela cometeria um pequeno crime com sua filha
adorada.
—
Você acordou. – a voz era doce, mas ainda assim fiquei assustada.
—
Mais que merda. – uma garota que aparentava ter minha idade estava sentada no
chão com uma pilha de papéis nas pernas – Quem é você?
—
Bom, eu sou amiga do Clark. Não tinha para onde ir nas férias, e seu tio acabou
me convidando pra vir com eles.
— E
porque diabos você está no meu quarto? – levantei e comecei a vestir alguma
roupa.
— Sua
mãe falou que eu poderia dormir com você enquanto seus tios estão aqui. – ela
levantou e veio em minha direção, seus olhos eram incrivelmente azuis. – Meu
nome é Sabrina, prazer. – o sorriso estampava aquele rosto branco, quase
transparente.
Sai
sem cumprimentá-la de volta e bati a porta do quarto. Pensei que minha mãe
fosse me matar depois, mas pelo que percebi o meu assassinato começou bem antes.
Corri
até a cozinha e encontrei minha mãe conversando alegremente com nossos
convidados. Fui até o lado da minha mãe, me aproximando o suficiente de seu
ouvido pra que apenas ela escutasse.
— Eu
quero aquela garota fora do meu quarto, agora.
Ela
me ignorou e olhou diretamente pra meu tio que estava do outro lado da mesa.
—
Então Raphael – ela falou olhando pra ele e depois desviando o olhar pra mim –
já lhe contei que Sara foi escolhida como a melhor musicista da escola?
—
Não, você não havia me falado. – meu tio tinha o ar cansado de tantos anos
trabalhando dentro de um caminhão – Parabéns garota, nós sempre soubemos que
você nos daria muito orgulho.
Não
gostava de começar nenhum tipo discussão, nunca. Mas, se era assim que ela
queria. Eu teria que lhe dar com outra pessoa invadindo um lugar privado. Não
sou uma filha rebelde, nunca fui, mas o fato de eu imaginar que tem outra pessoa
no meu quarto já me deixa desconfortável.
Sai
da cozinha com um sorriso amarelo do meu tio, e um olhar ameaçador da minha
mãe. Não estava com fome e voltei direto para o meu quarto.
— O
que você está fazendo ai? – perguntei, minha colega de quarto estava debruçada
sobre meu violão.
—
Tocando. Quer dizer, tentando tocar algo. Você me ajuda?
Tudo
bem estava começando a gostar daquela garota. Nada me deixa mais feliz que
alguém compartilhando do mesmo amor que eu. A música.
—
Bom, eu até queria te ajudar com algo, mas eu não tenho como posso
dizer? Não tenho o dom de ensinar as pessoas. – me joguei na cama enquanto ela
continuava me encarando, sentada do chão e com o violão sobre as pernas. –
Aprendi sozinha, então não sei como ensinar outras pessoas.
—
Então ta bem. – seu olhar ficou triste – acho que vou voltar pra sala e ficar
com seu primo, você o viu quando foi à cozinha?
— Na
verdade eu nem reparei.
Comecei
a dedilhar uma canção qualquer, meus ouvidos se inundando com aquele bater de
cordas, e meu coração acompanhando o ritmo. Deitei e fiquei encarando o teto
com o violão sob minha barriga. Meus dedos deslizavam por entre as cordas, e
minha voz começou a se sobrepor ao dedilhar.
— E
ai Sara tudo tranqüilo? – era a voz do meu primo. Nem me dei ao trabalho de
abrir os olhos – Que isso? Não vai falar comigo?
—
Não. E na verdade sua amiga está procurando você. Sabrina, certo? Acho
bom você encontrá-la, ou ela pode se perder nesse palacete.
Quando
Sabrina retornou ao quarto, eu estava levantando da cama pra guardar o violão,
e só então percebi que passei mais de três horas tocando.
—
Toca pra mim – ela pediu com aquele sorriso que parecia nunca sair do seu
rosto. Incrível, eu nunca havia conhecido alguém assim.
— O
que? – a vergonha se expressou em meu rosto – Não, eu, an...não toco pra
ninguém. – como fui ridícula.
— Por
favor? – o sorriso sumiu, e seu rosto assumiu um olhar de criança quando
precisa convencer um adulto a lhe dar algo.
— É
melhor não. Desculpe. Acho melhor irmos dormir.
— Mas
você acabou de acordar. Porque não vemos um filme?
— Ok,
se isso fizer você parar de me pedir coisas - falei sorrindo e ela retribuiu.
Assistimos
ao Senhor dos Anéis, e ela suspirava a cada aparição do Legolas. Foi divertido,
e quando dormimos já eram quase três da manhã, ela na cama, e eu em um colchão
no chão.
Acordei
escutando Sabrina murmurando algo inteligível e se debatendo na cama. Levantei
e me aproximei dela tentando acordá-la. Quando abriu os olhos eles pareciam
mais azuis que da ultima vez que eu os havia visto. Ela estava muito assustada.
—
Você está bem? Foi só um pesadelo. – falei enquanto deslizava as mãos por sua
testa. Lágrimas desciam de seu rosto, e em nenhum momento ela me encarou.
—
Obrigada por ter me acordado – ela disse – pode ir deitar, eu já estou bem.
— Tem
certeza? Se quiser posso acender a luz, ou quem sabe podemos continuar vendo O
Senhor dos Anéis.
— Não
precisa – ela sorriu, mas o sorriso não parecia nada com o que ela havia me
dado horas atrás.
Voltei
pro colchão, fechei os olhos e dormi. Durante quase todas as noites ela chorava
e tinha pesadelos. Eu sempre levantava e ia acordá-la, ela nunca queria que eu
ficasse perto, sempre me mandava de volta para o colchão e voltava a chorar.
Faltava
uma semana pras férias acabarem, e minha mãe decidiu visitar minha avó com meu
tio e meu primo. Eu teria ido se ela tivesse se dado ao trabalho de me chamar,
só soube do pequeno passeio quando acordei e vi o recado sobre a mesa.
Bom dia querida, estou indo visitar a vovó com seu
tio e seu primo. Espero que não tenha ficado triste por não tê-la acordado, só
queria que desancasse um pouco mais, já que todas as noites você acorda com os
pesadelos da Sabrina.
Joguei
o recado no lixo e preparei o café da manhã. Sabrina comeu um pouco e ficamos
falando sobre música durante longas horas. Quando o relógio marcava nove da
noite meu celular tocou, era minha mãe, avisando que não voltaria naquela
noite.
—
Bom, acho que vamos ter que dormir sozinhas hoje. Minha mãe decidiu ficar na
casa da minha avó – Sabrina sorriu, e voltou sua atenção para o programa de
televisão que estava acompanhando.
Dormimos,
e como de costume, Sabrina começou com seus pesadelos no meio da madrugada.
Levantei novamente e caminhei pra acordá-la. Ela abriu os olhos e disse que eu
poderia voltar a dormir.
Sai
de perto da cama e peguei o violão, meus dedos começaram a tocar aquelas cordas
tão familiares, enquanto eu cantava pra ela. Em poucos segundos ela levantou e
ficou me olhando sem sorrir, apenas observando.
Lentamente
ela saiu da cama e sentou-se ao meu lado. Sem falar nada ela tirou o violão de
meus braços e se colocou no lugar dele, fazendo seus longos cabelos loiros
deslizarem por entre as minhas mãos.
—
Obrigada- foi a única palavra que ela falou antes de dormir.
O
final das férias chegou. Meu tio e minha mãe haviam ido a procura de algo pra
que ele levasse de recordação, enquanto meu primo estava na casa de um antigo
amigo, e Sabrina fazia as malas em meu quarto.
—
Sentirei saudades – falei.
— Não
vai sentir nada, só atrapalhei você por todo esse tempo, nem dormir você pode.
Levantei
e fui até ela, parando a poucos centímetros de seu rosto.
—
Logo, logo eu irei visitar você, e lhe ensinarei alguns acordes pra que você
possa cantar pra mim. – antes que pudesse me afastar ela me deu um beijo doce e
delicado.
—
Contarei cada segundo – ela falou e eu sorri.
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