Hoje, eu
como amante de livros, filmes, séries e tudo o mais que seja de terror, trago a
vocês um dos melhores contos de terror de já li. Se você estiver preparado apague
as luzes e leia, se não desculpe, mas as luzes se apagarão sozinhas.
Autor:
Arthur Dobler
''Meu pai acabara de sair do meu quarto, com certeza, por isso a fresta''.
''Meu pai acabara de sair do meu quarto, com certeza, por isso a fresta''.
Eu sempre a odiara, principalmente quando pequeno,
-época da qual se tem uma profunda imaginação- observar aqueles poucos
centímetros amedrontadores causavam-me pânico. Desviava o olhar, contava até
dez, me cobria com a coberta - táticas comuns de uma criança com medo - e
admito que nenhuma delas nunca fora muito efetiva. Tudo só cessava quando eu
tomava coragem para me locomover pela cama e me inclinar exageradamente em
direção à maçaneta, sem precisar tocar no chão, para fechá-la e por fim ao meu
tormento. Eram os segundos de maior tensão e eu nunca olhava para a fresta,
nunca. A ideia de que algum monstro pudesse estar me observando era, no mínimo,
perturbadora.
Algumas pessoas tem medo de escuro e isso é
plausível, com a ausência da luz, é difícil ter total segurança do que te cerca
ou “o que são” as formas que antes eram facilmente reconhecíveis. Um amontoado
de camisas em uma cadeira, por exemplo, pode virar um aterrorizante fantasma
que está apenas esperando o breve momento de você pegar no sono; Um violão
recostado na parede pode se tornar uma criatura negra que espreita a distância
ouvindo sua respiração; até mesmo bichos de pelúcias podem ser assustadores
quando se está no escuro... Reflexos em um espelho então? Nem se fala.
Mas a questão é: Tudo isso tem um limite de tempo
para te causar angustia, desconforto e apreensão. As coisas submersas na
penumbra podem, após algum tempo, começar a perder a sua áurea macabra. Sua
visão se acostuma, seus olhos se habituam, e logo o ar nostálgico das coisas que
cobrem o seu quarto volta a pairar, “Não há nada aqui” você conclui. Até mesmo
a completa escuridão pode ser tranquilamente ignorada se ruídos não
identificáveis forem inexistentes. Há quem não pegue no sono sem estar
envolvido nas trevas. Porém o problema está nas frestas, é evidente que sim,
não há como se acostumar a isso, nunca haverá.
Pois a fresta é como uma pequena passagem para o
inferno. Você começa a se indagar do que realmente está ou não vendo, porque
através dela não existem comprovações visuais. Você apenas enxerga um amontoado
de cores intercaladas, como pixels em uma tela, uma pequena e estreita faixa, a
faixa que cobre seu lado são. Pode ser que seja um olho, ou uma cabeça, às
vezes um corpo inteiro, porque não só um vulto? No meio da fresta, entre um
cômodo e outro, alguém pode estar espiando você.
Se a porta estivesse fechada, você poderia muito
bem se assustar com sons provenientes da sala, mas jamais imaginaria nada
olhando para uma porta de madeira talhada a mão, de laterais robustas com uma
maçaneta reluzente a descansar. Se estivesse escancarada, você teria maior
controle dos barulhos em sua casa, e apesar de imaginar coisas ao ver os
objetos que ficam em frente ao seu quarto, pelo menos teria uma melhor
percepção de tamanho e distância dos mesmos. Porém a fresta é um ponto cego
entre uma porta aberta e uma porta fechada. É a certeza da incerteza, é o
incentivo a loucura e “eu sempre a odiara”, pensei.
Ideias vagas como essas surgiram em minha mente
quando, após anos sem me lembrar desse pequeno trauma, me deparo com uma porta
levemente aberta no meu quarto. Desde que eu me mudara de casa, estivera
ocupado demais para me preocupar com coisas ordinárias como uma fresta.
Entretanto nessa madrugada sem saber ao certo o motivo, tudo isso me veio à
tona, como um soco no estômago. Fiquei alguns segundos encarando aquele feixe,
podia jurar que havia alguma coisa ali, mas precisava ter certeza, por isso
peguei meus óculos na cabeceira para enxergar com mais nitidez. Quando o
coloquei, vi que a imagem que impregnou em minha mente não passava de um grande
e velho cabide, que ficava no meio do corredor entre uma divisória que dava em
direção ao banheiro e a sala de estar.
Caí na cama, por um segundo meu coração quase
saíra pela boca. Senti a sensação ruim de muito tempo atrás, um forte ar que
corre desesperado pelo meu corpo como se rasgasse meu peito, acho que é isso
que chamam de adrenalina. Preparava para me deitar quando ela –a porta -
delicadamente rangeu para dentro, era como se a maldita me provocasse. Fiquei
em estado de alerta, suspirei ofegante, senti uma brisa fraca passar pelo
quarto. De onde vinha? Não me interessava no momento.
“Eu sou um adulto, devo agir como tal” coloquei
isso em minha cabeça, levantei rapidamente, me dirigi em passos largos para
aquele retângulo maldito que desenterrara algo do qual não fazia questão de me
lembrar. Fechei-a com tal intensidade, que o eco emitido ressoou por toda a
casa, “era o fim”. Olhei para o chão, senti uma vertigem, fui pego de surpresa.
Minha vista rapidamente embaraçou e durante esses segundos eu me lembrei de
como meu pai tratava minha fobia com descaso, da forma como ele dizia que eu
estava sendo irracional, e de sua patética reação - severamente
incompreensível-, deixando a porta entreaberta de propósito quando saía. Uma
espécie de tratamento de choque.
Não se faz uma criança aprender a nadar jogando a
mesma em uma piscina, assim como não se cura o medo de alguém, fazendo-o
confrontá-lo de forma tão direta. E depois desse breve momento de lembranças o
que eu senti fora vontade de voltar a dormir e esquecer tudo isso. Quando me
virei para cama, ouvi algo afiado rangendo do outro lado... A minha espinha
gelou, os meus ombros endureceram e meu corpo agiu instintivamente indo em direção
à fechadura. Enquanto olhava, permaneci em total silêncio para confirmar se o
que se passara fora mesmo real. Nada, nenhum barulho.
Corri e me atirei no colchão, eu sempre tive uma
imaginação forte, mas isso era demais. Encarava o teto, tentando pensar no
inexplicável. E como em uma epifania, eu lembrei o “porque”. Mas eu não o fiz
por querer, juro, ele me provocava e sempre o fizera. Eu não podia mais
aguentar aquela tortura sem fim, ele nunca fora um bom pai, e nunca mais será,
porque eu dei um fim nele antes que ele fizesse o mesmo comigo. Eu não sou
louco, era ele que deixava a fresta aberta, era ele que me deixava olhando para
ela, era ele, não eu. Por isso eu me mudei, - não fora de bom grado - eu fora
expulso, mamãe não queria ver minha cara, é por isso que eu estou aqui. Ele
disse antes de "partir" que iria me buscar, e agora... Eu finalmente
entendo.
Enquanto concluía o óbvio, a luz ligou sozinha e
começou a piscar freneticamente, o ventilador começou a girar, e foi para a
velocidade três em poucos segundos. O quarto parecia rodar, os móveis
balançavam e as sombras dos objetos foram se sobrepondo e criando gigantescos
vultos nas paredes, eles me espreitavam, todos eles. "Eu não queria ir, eu
não quero ir, eu não vou". Então eu me escondi na coberta, fechei os olhos
e contei até dez.
Foi quando todas as portas e janelas se abriram
bruscamente e depois se fecharam simultaneamente, a lâmpada explodiu e um
último rangido de unhas rasgando a porta fora ouvido. Eu fiquei alguns minutos
sem reação, esperando minha respiração normalizar, e meus olhos se acostumarem
à velha escuridão. Decidi descobrir-me para dar uma última espiada. Tudo
voltara ao normal: Os móveis, o ventilador, a porta e a Fresta. Encolhi-me
embaixo do edredom enquanto colocava na cabeça: "Meu pai acabara de
sair do meu quarto, com certeza fora isso, por isso a fresta".
Fonte: OMedoB
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